Modinha nas redes, as fotos de comida estimulam o desejo de maneira semelhante ao sexo / O #foodporn é a onda mais gostosa da internet / A comida ativa o centro de prazer do cérebro, exatamente como o sexo /
— Você já ficou com água na boca ao ver uma imagem de comida e sentiu um incontrolável desejo de abocanhar o que aparece na foto? Não se preocupe, saiba que é uma reação animal, instintiva, impossível de ser evitada.
Analice Gigliotti, médica psiquiatra, explica:
— É uma reação química que ativa a área de prazer do cérebro e estimula o desejo, assim como o tesão. A salivação é um reflexo condicionado.
A publicidade utiliza essa artimanha há tempos, chegando a criar o food stylist ou culinarista, que, junto com os diretores de fotografia, transformam qualquer imagem de comida em gatilho capaz de acionar os instintos básicos do desejo e aumentar o ímpeto de consumo.
Mas as redes sociais deram uma nova dimensão à exploração das imagens de comida, transformando-a numa força poderosa. O Instagram registra mais de 54 milhões de entradas com o hashtag #foodporn, sem falar no #foodgasm e no #foodpassion. A avalanche de fotos é tão expressiva que Carlos Pietrini, fundador do movimento Slow Food, durante almoço de inauguração do Eataly, templo de consumo gourmet em São Paulo, frisou que o fenômeno “é pornografia alimentar e não gastronomia,” e teve apoio da jornalista Ailin Aleixo, fundadora do site Gastrolandia e organizadora do evento Vai Se Foodie. Para ela, quando a imagem não vem acompanhada de legenda jornalística, “é apenas comida ostentação”. Ailin diz que o que mais ganha curtidas e compartilhamentos não são os pratos sofisticados, mas as fotos de comidas obscenamente calóricas, como um bolo de chocolate ou um hambúrguer com bacon crocante. É a “larica de Instagram”.
Washington Olivetto, papa da publicidade e chairman da WMcCann, acredita que a onda é passageira:
— É mais um modismo dentro da profissão do momento no mundo, a de chef de cozinha. Tem um rótulo divertido, associado a filmes pornô e, por isso, pegou rapidamente, e assim deve desaparecer.
SEXO TANTRA INSPIRA RESTAURANTE NA ALEMANHA
A gula e a luxúria, dos sete pecados capitais, são os que têm maior intimidade e gostam de andar juntos. É o que diz Olivetto:
— Desde que o mundo é mundo, comida e sexo estão associados nas artes em geral; na pintura, no cinema, na música, na literatura, e, agora, na fotografia — afirma ele, lembrando o restaurante Tantris, em Munique, na Alemanha, que faz uma das mais explícitas e interessantes associações entre os dois: o cardápio e a decoração são baseados na teoria tântrica, que prega o prolongamento do prazer.
Mas, afinal, o fenômeno conhecido como foodporn é comida ou apenas sua imagem provocando desejo e instigando a gula?
Jean-Louis Mazon, da Vice e do canal Munchies, dedicado exclusivamente à comida, diz que é questão de status.
— Os jovens postam mais o que comem do que as roupas que vestem. A comida na mídia social é símbolo de status, um consumo possível e em ascensão.
A onda gerou a foodograph e levou o fotógrafo Alexander Landau a criar um workshop de fotografia de gastronomia, em que ensina os truques de luz e ângulos de cada prato.
LAURENT SUAUDEAU: PARA GOZAR É PRECISO ALMA
Para o chef Laurent Suaudeau, essa onda é reflexo do que vem acontecendo na gastronomia. Ele adverte:
— Não bastam apenas a imagem, as aparências, o que parece ser; é preciso ser genuíno e ter alma. As pessoas não sabem mais gozar e estão esquecendo que, para gozar de verdade, é fundamental ser real e ter conteúdo. No sexo, quando não é de verdade, quando é apenas de efeito e aparência, o cara, para se animar, tem que beber todas; nos restaurantes é a mesma coisa, é preciso beber muito para comer o que apenas parece voluptuoso, mas não é realmente.
Os restaurantes aproveitam a postagem das fotos de seus clientes para ganhar prestígio. Alguns vão além. O Catit, em Tel Aviv, em conjunto com a Carmel Winery, por exemplo, chega a criar menus servidos em louças especiais que facilitam os cliques, além de manter fotógrafos de plantão para auxiliar os clientes a obter boas imagens.
Cada vez mais as pessoas vão aos restaurantes e fotografam o que comem para postar nas redes sociais. Pena que, enquanto fotografam, a comida esfria. Perde-se, assim, o mais importante, a verdadeira fonte de prazer em uma refeição: o sabor.
SEGREDOS PROFISSIONAIS DA FOTO PERFEITA
Nos dias de hoje, quem não se arrisca a fotografar os pratos de um almoço ou jantar?
Para que a comida saia bem na foto, é preciso seguir alguns passos. O fotógrafo Alexander Landau dá dicas preciosas. Seu Instagram nunca mais será o mesmo:
Para aumentar o “apetite appeal”, a comida deve ser vista do ângulo mais próximo possível;
Use um rebatedor (placa de isopor ou folha de papel branco) para suavizar as sombras;
Para enfatizar o contraste e reforçar as sombras, use um anteparo preto (tecido ou papel) próximo à comida;
Prefira fundos neutros e com cores que não chamem mais a atenção do que o próprio prato;
Existindo incidência de luz natural, vale apagar as luzes fluorescentes e as dicroicas para não alterar a cor da imagem (luz incandescente esquenta e a fluorescente esfria a foto);
O foco seletivo dá um ar mais contemporâneo à imagem — áreas em foco e outras fora de foco criam mais dinamismo;
Experimente diferentes ângulos, luz lateral e contra-luz.(fonte O GLOBO)