Eu morava na Floriano Peixoto número 80.
Um sobrado, casarão de taco e teto com forro que dava pra ouvir os pombos.
23 degraus da porta lá embaixo até chegar em cima na sala ampla.
No extenso corrimão, ao lado – tinha um fio que ia do alto abaixo onde segurava o trinco da porta e quando tocava a campainha, na porta de madeira com uma janelinha de vidro, a gente perguntava “quem é ?” e o entregador de carne dizia:- “é da Memil dona Cleusa” . E a gente puxava o fio e magicamente a porta se abria.
A Memil era um açougue do seo Helio Franco marido de dona Celina pais da Bianca, Ariane e Tatiana.
Tínhamos como vizinhos do sobrado, duas outras famílias. Uma delas, dona Maura, mãe da Lilian Rodrigues do Tarcisio, mago das fotografias (quanta história).
Embaixo tinha o armazém do Papai q era do sogro da Sonia Naves Borges, o seu Paulo – mais uma lotérica e o restaurante Kabana do Totonho e Navarro.
Adorava ir ao Kabana com meus pais e irmã.
A gente encontrava toda a sociedade uberlandense.
Tinha uma banana flambada com sorvete feita na hora numa frigideira em cima dum carrinho e a hora de flambar com conhaque saía aquele fogão e eu achava o máximo – chic demais.
Estudava no Liceu de Uberlândia, do seu Milton Porto e que o eu achava um pouco Walter Disney do ensino.
A-do-ra-va estudar no Liceu.
O Luis Eduardo Porto, era meu amigo de sala, há tempos ele mora nos Estados Unidos, filho da dona Iara e do seu Galba do DNER.
Luis Eduardo, neto do professor Milton Porto.
Eu subia a rua de casa, a Floriano – e era a maior “viagem” dalí até o colegio na praça Oswaldo Cruz em frente à Estação Mogiana – a cidade acabava ali – atrás não tinha nada e mais se parecia com um cenário de “O Show de Truman” com Jim Carrey (um dos mais belos filmes de minha vida).
Saia de casa com minha mochila nas costas e uma lancheira com ki-suco de uva, uma fruta e um pão com ovo frito.
Tenho o sabor disto até hoje em minha boca.
Sabor de saudade.
O material escolar era comprado na Kosmos do seu Marcio da Kosmos. Amava tudo da Kosmos.
Naquela época ninguém tinha sobrenome.
Era assim, o Carlos da Paris Jóias (meu pai), o Rolando do Reilla, o seu Moacir da Varig, o Luiz da Ulanga, dona Maria da Cherie, o Sidelvan da Saci, minha amiga Darlene da Vantajosa, tinha ainda a Tupinambás (casa de linhas dos pais da Luiza Roveri.
Nossa, e a dona Juvercina da Orquidea Flores ? Todo mundo comprava flores dela.
Ela tinha um pequenez com aqueles olhos esbugalhados e aquela mordida prognata.
Não gosto desta raça feia.
Um dia o cãozinho dela morreu e ela mandou empalhar e colocar em cima dum aquário da loja.
E ele ficava lá durinho olhando pra gente e eu menino não gostava mais de entrar lá.
Já rapazinho eu gostava de comprar a ultima moda da Saci do Sidelvan – era show.
A Saci, de ladinho com a dona Juvercina mas depois mudou pro lado do Garibaldi’s e do bar do hotel Presidente e quem cuidava era o “Barão” seu Érico Zardo pai do George Americo que é filho da dona da chic loja de bolsas e calçados a “Prelúdio”.
Um dia o Garibaldi’s pegou fogo e a Saci foi junto.
Fiquei triste.
Meus avós moravam no primeiro andar do Itaporã em frente a boate Vodoo. Vovô não gostava daquela balbúrdia dos playboys.
E tanta gente conhecida morava naquele prédio.
Minha irmã, Claudia, estudava no Colégio Nossa Senhora e as vezes papai deixava ela fazer umas festinhas lá em casa e daí iam várias moças e rapazes da sociedade tradicional.
Eu ficava um pouco na sala curtindo aquele povo mais velho que eu – mais moderno – e que podia fazer as coisas – e já me achava maduro.
Coitado de mim, um menino que detestava matemática e que tinha de dar a tabuada pro meu pai.
Aff.
Levava cada cascudo por não ter estudado.
Odiava a tabuada de 8 e 9.
Era um filme de terror.
Minha irmã era caxiona e namorava o Rafael Ribeiro Paes Leme, filho da dona Maria Odete do seu Araimitan.
Ceis tão vendo que sempre era assim, o fulano do sicrano.
A dona Neusa da Perfumaria Notre Dame, debaixo do Uberlandia Clube, eu achava que estava entrando em Paris.
No Natal ela simplesmente arrasava na decoração com aquele tanto de árvore de Natal cada uma de um jeito.
Dona Neusa era avant-garde.
Tinha a Gurilândia e a Quelque Chose da dona Zezé.
Os embrulhos da “Qualquer Coisa”
para presente tombavam com a cara de todo mundo.
Meus Deus que delicia – eu era feliz e sabia sim.
Acho um horror essa frase de que era feliz e não sabia.
Uai então ce tomava chá de cogumelo porque eu sabia que vivia e morava no Paraíso.
A joalheria do meu pai era uma coisa. Todo mundo comprava na Paris Jóias.
Quem de vcs aqui e agora que não possui uma peça dele ?
Sua mãe deve ter uma pulseira escrava, um colar de pérolas com fecho cravejado de brilhantes.
Brilhante era nossa vida.
Papai adorava Simca. Teve uns três. Certa vez um preto que eu achava que era do Batman.
Eu sempre coloria as coisas.
Aumentava. Romantizava.
O vovô Hermann era dono
do Hotel Rex – hoje Galeria Central.
E tinha na Afonso Pena, A Goiana – parecia Estados Unidos; o cine Uberlândia do seu Nicomedes, a Discolandia do Valtinho que tinha affair com a Emilinha Borba. Ou era lenda ?
A Feira dos Presentes, A Porta Larga, a revistaria do seu Chagas…..
Jesus amado – obrigado por tudo.
Sou muito grato por ter feito tantas amizades que conservo até hoje.
Sou grato por minha memória e saúde.
Sou grato por quem eu sou e o que me tornei – esse clone de Sued e Amaury do Cerrado que se dá a liberdade e ousadia em abrir um portal – como intérprete de nossa Uber Land e faze-los “viajar” comigo num pedacinho desta Terra Fértil.
Até hoje quando toca – ” Uberlandia Terra Gentil que seduz…. ” me dá um nó na garganta.
Obrigado Felisberto em ter sido o Berto Feliz que fundou minha terra.
Felizmente,
Carlos Hugueney Bisneto.
(PS:- o Uberlandia Clube fica para outro capítulo.).